Um prazer que exige paciência e dinheiro
Sem falsa modéstia, eles são unânimes: colecionar selos ocuparia menos espaço e seria mais cômodo. Porém, com todo respeito ao filatelistas, admitem que, se a dificuldade em conseguir uma raridade a valoriza, poucas coisas darão mais prazer que uma coleção de automóveis, particularmente se nela estacionarem calhambeques como que saídos da linha de montagem. Apesar da aparente extravagância, a confraria de colecionadores de carros ten razões para pensar assim: seria puro diletantismo juntar peças aquilatadas na linguagem universal dos dólares e que, como investimento, superam índices de valorização até do mercado imobiliário, sinônimo do lucro certo?
Não, claro. E tanto, que só os sólidos empresários ou profissionais liberais bem sucedidos atrevem-se a aderir ao hobby, mais que vício caro ou capricho, uma forma agradável de construir um patrimônio paralelo. Mas não se conclua daí que os aficcionados insistam nos cifrões em alguma entrevista, por mais informal. Ao contrário: são avessos a ostentação, desconversaram ao se falar ”em quanto vale” ou ”quanto custou”. São discretos, embora pródigos em adjetivos: Os colecionadores são perfeccionistas, perseverantes e saudosistas” – diz o advogado José Nestor Conceição Hopf, chefe da secretaria Geral do Sistema Financeiro BCN(Seges), colecionador e apaixonado por calhambeques.
Na fila do INPS – A autocrítica não exclui o humor: são também ”doidos segundos os próprios, encontrados nas reuniões promovidas pelo Veteran Car Club do Brasil, principal associação da confraria.
Só em São Paulo o clube, única associação do gênero reconhecida mundialmente por ser filiada à Federação Internacional de Carros Antigos da Suíça, e a primeira do país, fundada em 1969 pelo falecido empresário Roberto lee, tem 300 associados, sendo que a nível de Brasil o número sobe a mil.
Além do Veteran, os clubes do Jaguar, Fordinho, DKW e recentemente o Jeep e Pick-up, abrangem outras centenas de colecionadores. Mas como nem todos filiam-se, o contingente é bem maior, garantem profissionais envolvidos com o setor. ”Se considerarmos coleção mais de três carros antigos, só em São Paulo há mais de quinhentas – revela o empresário Luís Francisco Batista, dono de uma das três oficinas especializadas na restauração de carros antigos, a Agromotor. Lá, 40 mecânicos atendem cerca de 30 colecionadores e só não atendem mais por falta de tempo ou porque os principais aficcionados possuem mecânicos particulares. ” O carro, quando chega em estado razoável, demora mais de seis meses para ficar pronto. Outros chegam desmontados, ficando quase dois anos na chamada fila do INPS. Este lento trabalho artesanal me obriga a atender carros normais, já que não se tem lucro trabalhando com os antigos” – diz o empresário.
Fordista convicto – Atualmente a oficina sete carros, alguns raros como o Lincoln 1948, último clássico 12 cilindros feito em série nos Estados Unidos, um Packard Limousine 1930, um Thunderbird 1956 e outros que Batista – declinando o nome dos donos – orçou em cerca de US$ 150 mil, no total. Uma avaliação simbólica, por que feita antes da restauração não ficaria barata, entre Cr$ 500mil a Cr$ 6milhões. Pesquisa-se tudo, estofamento, painel, frisos e outros detalhes. Torneamos e importamos peças, pois nos antigos vale mais a originalidade, e foi-se o tempo que se achava peça no ferro-velho”’- lamente-se.
Se como profissional as agruras afligem, como colecionador muito mais. No ramo a sete anos, ele não é adepto do ditado casa de ferreiro, aspecto de pau. Também tem coleção: 22 carros de uma só marca. ”Sou fordista convicto”- confessa o empresário. De fato, tem todos os Fords dos anos 1932 a 1953, faixa que abrange os motores V-8 do estilo antigo.
Voltando para o interior – Cada um com sua mania. Como Luís Francisco Batista, a maioria segue marcas, modelos e linhas. Se alguns preferem os clássicos Packard, Cadillac, Rolls Royce e Lincoln, outros gostavam mais dos populares Ford, Chevrolet ou Dodge. Nenhum porém dispensa os que marcaram época, como o fordinho T ou o modelo A – o mais procurado do mundo – , o Thunderbird, o Lincoln Continental, o Jaguar XK-120 e, nos anos 60, o Mustang, já peça de coleção nas versões 1964 e 1965.
Este comportamento é benéfico. ” Ajuda na busca da originalidade, avaliação de venda e compra, ensina o colecionador a conhecer melhor seu carro” – explica o engenheiro e jornalista especializado em automobilismo Expedito Marazzi, diretor do único curso de pilotagem do país. Marazzi só não e colecionador de maior porte – tem quatro antigos entre oito de passeio e competição – por falta de espaço: ” Um carro antigo,, maior que os de hoje, ocupa perto de 6m2, um espaço deste em metrópoles e tão caro como a manutenção do carro, especialmente se multiplicarmos a medida por 50 ou 60 unidades. O problema pelo menos serve de consolo par a o jornalista, que não é ainda um dos grandes colecionadores pelo menos já tem com a falta de espaço, um problema deles. Como o do industrial Og Pozzoli, por exemplo, co-fundador do Veteram Car Club. Para acomodar melhor seus 120 carros – Pozzoli não hesitou em mudar da capital para o interior do Estado de São Paulo, para Cotia, apenas para não se afastar da coleção, embora por obrigação tenha de viajar à capital todos os dias.